quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Quadro

Não aguentando mais ser interrompido pela obra na calçada, foi até à janela e deixou-se envolver nas finas linhas de fumaça expelidas pelo cigarro apertado entre seus dedos. Não podia mais suportar tamanho barulho e desordem desse jeito, isso atrapalhava seriamente sua concentração. Depois de perceber que não adiantaria trancar todas as janelas e portas, desistiu e tentou adaptar-se ao incômodo. E para desligar-se do exterior resolveu sonhar. Mas era tão simples assim? Somente decidir e acontecer? Após contar mais de duzentos carneirinhos, Barbosa entregou-se ao sono como à um velho médico de família. Levando-lhe a lugares onde quis estar, seus sonhos tornavam-se agradáveis à medida do costume, ia se adapatando aos novos cenários e figurinos, assim como aos personagens embaçados e disformes. E cada vez mais quis se afogar nesse devaneio de longa duração, mesmo que fora de seu controle. Barbosa sempre foi um homem muito fechado, não era de exprimir facilmente suas apreensões nem narrar aos outros seus sentimentos. Tentava, através dos quadros que pintava, colocar um pedaço do que parasitava dentro de si. E era assim e de nenhum outro modo que mantinha contato com o mundo lá fora. Deixava apenas verem o que estava contido de maneira abstrata naquelas telas coloridas. Mas nos sonhos era diferente. Homem de coragem, tratava de cortejar qualquer dama que lhe agradasse e combater qualquer ameaça. Podia ser o que quisesse, até palhaço de circo ou ator de cinema. Quando acordou, Barbosa percebeu que o barulho lá fora já havia cessado. Mais tranquilo, continuou a trabalhar no seu ultimo quadro. Vivendo completamente só, passava muitas noites em claro para que não perdesse nenhum fio de sua inspiração. Nessas noites, o seu sonho tinha que ser adiado, ou então tratava logo de sonhar acordado. E esses eram os melhores. Até porque era ele quem decidia os enredos e desfechos das tramas. Quando acabou o quadro que estava pintando febrilmente há 6 dias sem dormir, o cansaço o obrigou a sonhar tres dias consecutivamente. E o sonho parecia se repetir continuamente, como se não tivesse mais nada para ser sonhado, somente aquilo. E aquilo era o seguinte: Barbosa tinha a visão de um quadro e nele estavam pintados, com uma perfeição fora do comum, ele ao lado de uma mulher belíssima e uma criança com cachos agelicais. Após vislumbrar essa imagem durante tanto tempo, Barbosa foi capaz de memorizá-la por completo, até mesmo as feiçoes explicitando felicidade dos personagens. Refletindo durante semanas, Barbosa foi capaz de entender que aquilo havia sido um presente. Sim! Seu sonho havia lhe presenteado da melhor forma possível! E foi isso que fez com que o novo e destemido Mário Barbosa partisse ao encontro do seu destino e saísse do seu casulo, ao encontro de sua prórpria vida.

2 comentários:

Risco de vapor disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Risco de vapor disse...

Aaaaaaah!!! Outro texto finalmente!! =)
Maneiro cara!! Pow, esse é o próprío Mário!! O.O rsrs
Legal o texto!! Agora ve se posta com mais frequência pow... =) Daqui uns dias coloca outro! (caraca, olha eu mandando hein...) Legal mesmo... Mas uma coisa... O casulo a que vc se refere no final, é o armário em que ele vivia atrás? AHUhuAUHAhUAHhauhahA... Não teve como não pensar em outra coisa cara... Desculpa... =) Continue assim!! Fica com Deus! Abração!