segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Maestro

A noite já insistia em cair como um véu, e Luiz ainda se encontrava deitado, tentando afastar as primeiras impressões confusas do sono. Inalteravelmente pacato, foi logo verificar as horas, tentando calcular o tamanho do atraso que causaria. Nem seria tanto assim, o concerto estava marcado as 10 e meia e ainda não passava das oito. Pegou aquele velho calhamaço de partituras e teve que se lembrar da tamanha responsabilidade que carregava tendo que reger aquela imensa orquestra completamente sozinho, uma leve e breve alteração nos movimentos de seus braços erguidos e tudo ia por água abaixo. Começava a sentir aquele angustiante frio no estomago. E se de repente sentisse algum tipo de coceira? estava tudo acabado. E se sua vista cansasse e por ventura pulasse algumas linhas? Estaria tudo arruinado. E se por algum motivo sentisse câimbra nos braços? Estaria tudo indo por água abaixo. Não, não precisava pensar nisso tudo. Era, sem dúvida, uma responsabilidade fora do comum, mas era assim que vivia, e assim que tivera escolhido. Talvez até se arrependesse de largar tudo o que tinha para viver viajando de hotel em hotel completamente sozinho apesar da grande quantidade de músicos da orquestra. Tentando manter-se longe desses pensamentos começou a se vestir. Estracinhando-lhe as esperanças, os pensamentos não desmanchavam. E se algum dos músicos esquecesse sua hora de entrar na peça? E se entrassem na hora errada? Será que os violinos estariam todos afinados? Toda e qualquer questão que lhe aflorasse na mente só resultava em uma coisa: Estava perdido. Havia há tanto partido de casa e sempre, nesses 20 anos de regência, e sempre que estava preste a subir no palco pensava nessas coisas e na volta pra casa no caso de tudo dar errado. Será que ainda esperavam por ele? Talvez não mais. Impecável e adequadamente vestido, chamou o táxi e continuou pensando. Porque sempre havia esse desespero? Esse nó na garganta? Tentou, mesmo que soubesse que seria em vão, mais uma vez distrair-se para evitar essa angústia tão intensa. Minutos antes de subir ao palco arriscou um palpite. As dúvidas e a aflição conseqüente eram uma forma essencial com que se conservasse concentrado. Serviam para que, através do desespero, alcançasse o tão almejado sucesso. Era necessária uma dose considerável de desespero para que conseguisse. Não que o desespero fosse o principal responsável por isso, havia o seu talento nato, o seu esforço. O desespero era útil para dar aquele retoque final, como uma pequena injeção de adrenalina no sangue. Serviu, em todas as vezes, para que Luiz desse seu melhor, para que fizesse com que nada fugisse do seu controle. Seu palpite talvez tenha o transformado, pois Luiz errou tanto durante o concerto que as lágrimas fugiam dos seus olhos, talvez tenha sido por perceber que seria uma eterna vítima do desse inconcebível desespero,pois mesmo que ainda possuísse o livre-arbítrio, simplesmente nascera pra isso.

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