segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

O Mudo

Cabisbaixo e sempre calado, Renato seguia sem reclamar, diariamente, e solitariamente o longo e tortuoso caminho que o separava da escola. Sua família foi montada quando seu pai que já possuía alguns filhos de outras mulheres pediu sua mãe em casamento fazendo com que ela se mudasse para aquela casa humilde com todos os filhos que já tinha, frutos de outros casamentos. Assim juntos somaram-se mais alguns e com o tempo Renato convivia com mais 8 irmãos e 5 irmãs. Renato não era o mais velho nem o mais moço, não era o mais alto nem o mais baixo, não era o mais frágil nem o mais sadio, era um entre tantos outros que chegava a pensar que por não se destacar dos demais seria completamente indiferente. Esse menosprezo de achar que não ligavam pra ele roia-lhe as entranhas, mas como não era capaz de se expressar tentava exilar, mesmo que de modo ineficiente, qualquer pensamento desse tipo. Achava a pior coisa que podia lhe acontecer ter que compartilhar tudo com seus irmãos, era egoísta no sentido mais profundo da palavra. Renato era um garoto normal como qualquer outro, mesmo sem o dom da fala. Já que nascera mudo era ótimo leitor de lábios e entendedor de expressões corporais. Não havia modo com que alguém o fizesse perder uma única rodada de mímica, adivinhava todas. Carmem, a jovem mais fofoqueira das redondezas, passava muitas horas de seus enfadonhos dias debruçada na janela sempre acompanhando as novidades, e acompanhando também os gritos sempre dirigidos ao raquítico Renato. Ele sempre pensou que não havia nada em que se mostrasse melhor que os outros, mas ninguém podia negar que não havia numero de berros maior do que o que saía da boca de seu pai para chamar-lhe, pois nunca sabiam onde o moleque havia se enfiado. Carmem dizia que era o irmão mais ''gritado'' de todos, já que era acordada pelos gritos do pai de Renato, o sapateiro Glauber, e ia dormir sempre incomodada pelos contínuos e estridentes gritos. Certo dia, numa de suas aventuras imaginárias o jovem magrelo Renato caçava os terríveis dinossauros com tiros de espingarda, até que conseguiu matar um deles! E ao ouvir alguns impropérios declamados pelo vizinho numa quantidade de decibéis um tanto elevada despertou da fantasia e percebeu o que acabara de fazer. O monstruoso dinossauro que acabava de liquidar era o gato siamês do vizinho e a sua potente espingarda era seu simples e mal-construído estilingue carregado com pedras portuguesas. O homem que gritava era Miguel, o pai de Carmem. E gritava com razão, pois Renato acabara com a vida do pobre felino com um único disparo. Não só xingou como também prometeu vingança, disse a Renato que andasse esperto, pois isso não ficaria assim. A pequena Carmem já havia se conformado com a perda e pedia piedade ao pai tentando convence-lo a não fazer mal àquele menino tão quieto e indiferente, porém nada desfazia a idéia de vingança do Miguel. Assim que chegou em casa Renato tentou relatar o ocorrido aos seus pais, numa busca desesperada de proteção. Após esperar algumas horas, pois estavam inteiramente ocupados, Renato finalmente conseguiu contar-lhes, a comunicação dos sinais era complicada, Renato teve quase que pintar um quadro com a cena que protagonizara um quarto de hora atrás para que os pais entendessem, mas ao final houve encaixe. Não passaram a mão em sua cabeça, disseram que havia feito algo de muito errado, mas que apesar disso não podiam permitir que Miguel tentasse qualquer tipo de injúria contra ele. E assim que essas frases acabaram de ecoar em seus ouvidos, Renato sentiu lágrimas inundarem seus olhos inquietos. Então seus pais realmente se importavam com ele! Zelavam por sua integridade! A partir disso, quando percebeu que não havia nem possibilidade nem maneira de ser indiferente aos seus, pensou ironicamente que nem mesmo se o truculento Miguel o espancasse ou apedrejasse com um estilingue, não lhe atingiria.

Um comentário:

Pilar Valente disse...

Ficou muito bom, meu bem.
Um pouco diferente dos outros eu acho, mas bem legal.
Beijo imenso ;*

PS.: Carmem fofoqueira não gostava muito do gato não. E tenho dito.