terça-feira, 6 de janeiro de 2009
Humilde Solidão
Julieta era uma senhora do que todos chamariam de mulher fibra, aos seus 57 anos era capaz de façanhas e aventuras que muitas outras de sua idade nem sonhavam realizar. Livre de qualquer estorvo, como filhos ou marido, vivia com sua humilde aposentadoria, fruto de um emprego que estampou tantas rugas em sua face. Trabalhara toda sua vida como secretária. Foi ascendendo aos poucos, começou secretariando o dono de uma pequena empresa de enlatados e chegou até o privilegiado cargo de secretaria de político. Completamente só, faz de teto uma casa em campo grande, e é lá que passa praticamente todas as suas horas de absoluto ócio. É tambem proprietária de um pequeno apartamento no centro da cidade, sim, já havia tentado morar lá, mas dizia que aqueles ares não eram bons pra sua tão estimada saúde. Talvez não o fossem realmente. A beleza que possuíra na juventude, apesar de ser de um normal desanimador, ainda mostrava-se forte por entre as marcas da idade. Na rua, Dona Julieta, chamavam-lhe dona por conta do respeito que trasmitia, era a fonte de tudo o que se desejava saber. Ela era um sábio para aqueles vizinhos aflitos e pouco privilegiados intelectualmente. Estudada e muito bem dotada, Julieta ajudava no que podia. Assim era seu modesto pensamento. Porém ajudava a todos muito além do que devia e podia ajudar. Um dos casos que costumava dividir conosco era sobre uma certa mulher aflita que recorrera à sua extensa sabedoria para ter conselhos amorosos. Julieta foi tão eficiente que a pobre mulher casou-se com um homem riquíssimo. Essa mulher, antes desesperada, alcançara um dos objetivos mais desejados por todas as garotas daquelas redondezas. Em forma de gratidão teimava em sustentar, e com muito requinte, aquela que lhe provera tão inteligentes conselhos. A notícia das prosas milagrosas de Dona Julieta espalhou-se com tal rapidez que era raríssimo passar pela porta de sua casa e conseguir enxergar nem que fosse um minusculo pedaço do portão de madeira já gasto. E ela, com uma boa vontade que eu não possuiria nunca, mantinha seus ouvidos atentos a milhares de duvidas e indagações de todos. Com sua fama pelo bairro vieram as cartas. Cartas de todos os tipos. O unico tipo de carta ausente era o que ela mais esperava, aquelas escritas por alguém que o admira de um modo um tanto mais profundo. Sim, Dona Julieta esperava receber cartas de amor. De tanto esperar um dia ela veio, e era escrita com uma caligrafia tão horrenda, digna de uma criança, que ela tratou de desviar sua atenção. Porém outras vieram fazer companhia à antes solitária carta dentro da gaveta no móvel de madeira maciça. Todas vinham sem nenhuma identificação, mas eram tão reais que Dona Julieta não podia deixar de crer. Segundo sua própria modéstia, havia um monte de homens que poderiam se afeiçoar à ela. Pensou, pensou tanto que sua intuição lhe soprou uma possibilidade. Entenda que uma mulher em seus 57 anos já tem uma experiencia e intuição fora do comum. E foram esses artifícios que utilizou para chegar à sua preciosa conclusão. Havia um senhor, o português dono da padaria da esquina, que toda vez, sem exceção, que ela deixava seu rastro de perfume passando pela rua acompanhava-a com os olhos brilhantes. Sim só podia ser ele. E realmente era, Dona julieta não falhava. E seu nome, por incrível que pareça e por mais que as circunstancia insistissem pra isso, não era Manoel nem Joaquim, era Jorge. Jorge já havia passado por 62 primaveras e conservava um ar jovial como ninguém. Era bonito, pelo menos assim achava Dona julieta, e possuía qualidades de um verdadeiro cavalheiro. Dona Julieta, que era tão sábia, encontrava-se num dilema. Seria possível amar nessa idade? Será que valeria a pena alguns anos de felicidade ao lado de Jorge para depois ter que submeter às amarguras da separação que o tempo concerteza irá lhe impor? Depois de tanto se submeter às suas próprias perguntas, coisa que não fazia há muito tempo, pois estava ocupada com dúvidas alheias, percebeu a facilidade que existia em aconselhar os outros e a dificuldade que existia em, sozinha, desembaraçar o nó que surgira diante de si. E, de novo guiada pela sua intuição, deixou que seus dias fossem vividos ao lado da humilde solidão, a mesma pela qual muitos acabam se apaixonando eternamente, deixando de lado Jorge e toda a renovação pela qual passaria ao lado dele. Sem saber, abdicou do que se tornaria uma das suas principais fontes de vida. E pouco tempo depois espalhou-se a notícia, de forma mais natural possivel, que Dona Julieta, fonte do saber para alguns, havia batido as botas.
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3 comentários:
Caraca, muito bom cara!! Muitas pessoas fazem as coisas dessa forma... As vezes parece tão fácil ajudar os outros, e quando vemos, nós estamos precisando de ajuda, e não conseguimos nos ajudar. E talvez por costume, nem sequer tentamos, e preferimos o conforto de antes, sem arriscar nada. Muito bom cara!! =)
bem legal, muito conciso, até agora o mais legal.
depois da uma olhada lá.
http://sitiosolidao.blogspot.com/2009/01/carta-de-natal.html
abraços
Ótima leitura: suaves descrições, uma apreensão branca pelo que há de vir e até mesmo um ar cômico em alguns pontos (poucos pontos, na verdade, mas o humor está ali)... enfim, requisitos de uma agradável obra literária.
Abração, cara!
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