segunda-feira, 23 de março de 2009

Elixir da Loucura (ou água)

Com uma animação súbita que a fez abrir a boca, veio a intenção de expor o inesperado. Já que não havia uma viv'alma por perto, resolveu dar uma volta no centro daquela cidade do interior parada no tempo para espairecer. Andava sem compromisso nem direção, apenas andava para que pudesse ver alguém vivo, que de repente estivesse disposto a ceder seus ouvidos por alguns poucos - poucos é eufemismo - minutos. Mesmo sem avistar ninguém continuava andando pela rua de meio fio pintado, achava que pelo menos estaria se distraindo ao invés de ficar trancafiada em casa aprendendo lições de tricô com sua avó. Parando pra pensar, era isso que sempre havia feito. Eram raros passeios aleatórios, assim no meio do dia. E no meio desse pensamento egoísta e injusto, foi surpreendida por um dos portões, que eram enfileirados nas calçadas, completamente escancarado. Poderia ser qualquer outro portão, exceto esse, esse não podia. Pertencia à louca das redondezas (sim, pois toda redondeza que se preze tem que possuir uma louca, ou seriam sempre as loucas que possuíam os lugares?). Era uma mulher estranha que nunca dava as caras e que um dia tivera sido uma jovem alegre e satisfatoriamente saudável, segundo contavam as histórias das velhas desocupadas. Resolveu averiguar. Tentando flutuar para não fazer barulhos inteiramente indesejáveis, foi ganhando os metros de um jardim extenso e muito mal cuidado. Conseguiu alcançar o vistoso porém enferrujado portão, sem que houvesse ouvido berros de desagrado e protesto, o que tivera sido uma incrível façanha, e rezando baixo para que o portão não fizesse nenhum rangido, entrou no corredor parcialmente escuro graças às placas de madeira que a dona da casa (a louca), tivera posto em algumas janelas. Ao acostumar-se à pouca quantidade de luz que havia no aposento, conseguiu distinguir algumas formas. Vira que as únicas e poucas fontes de claridade do lugar eram provenientes de grandes buracos nas vidraças causados pelas pedras que os moleques das vizinhanças jogavam na casa, numa forma de insultar a pobre louca, e que agora jaziam espalhadas pelo assoalho. Não conseguia mais sentir a aversão, o asco que sentia da louca, sentia agora piedade pela solidão e pelas condições subumanas em que, agora visivelmente, vivia uma mulher como qualquer outra, a não ser por uns parafusos a menos. Foi avançando casa adentro até que pôde ver um dos portais aberto, não havia nem sinal de porta, devia ter sido arrancada. Entrou sorrateiramente e tentando distinguir, em meio à penumbra, toda aquela quantidade enorme de móveis empilhados um em cima do outro. Parecia que a louca escolhera se refugiar da ignorância alheia em apenas um cômodo de uma casa modestamente espaçosa. Bárbara continuou tentando diferenciar os objetos. Chegou a reconhecer um piano de calda coberto de caixas de papelão, provavelmente contendo copos, imaginou. Foi quando olhou para o outro extremo e viu uma cama (ou o que sobrara de uma). O primeiro instinto foi de sair correndo para longe, mas algo a fazia crer que havia alguma paz naqueles olhos quase imóveis. Era como se a louca não guardasse nenhum tipo de rancor por tudo o que já haviam feito contra ela. Bárbara aproximou-se e sentou-se ao lado da pequena figura. Apesar do calor, o corpo, aparentemente, frágil estava embaixo de um cobertor de lã. Num instante, a mão quase só de ossos levantou-se aberta, como num apelo desesperado, urgente até. Sem saber o que fazer, Bárbara tentou procurar algum frasco de remédio ou qualquer coisa do tipo, mas nada encontrou. Voltou a olhá-la e a mão continuava estendida, parecia que agora tentava emitir algum som, mas de sua garganta seca não se projetava sequer ruído. Bárbara tratou de buscar um copo d'água, e quando a mão da louca a tocou para pegar o copo, sentiu repulsa, não pôde negar, sua expressão facial com certeza a denunciara. Mas estava tudo bem, a louca parecia indiferente à sua expressão. Ao alçar o copo, a louca o levou à boca o mais rápido que pode parecer possível, e após alguns minutos e um simples bocejo caiu no sono. Bárbara ainda cogitou a possibilidade de chamar um médico mas acabou desistindo, era disso que a louca precisara: um copo cheio da boa e velha água. Então, teve que se contentar em voltar para casa e realmente aprender a tricotar, pois a louca definitivamente não serviria para seus desabafos.

3 comentários:

Risco de vapor disse...

Aeeew!! Muito foda, como sempre! rsrs
Muito bom! =) Fica com Deus! Abração!

Unknown disse...

deja vú!!
deu laxante pra velhinha né safado??
zooaa. muito bom lek

Is' disse...

Um dia serei gente grande e quem sabe escrever uns textos assim, quem sabe. o/
E devo confessar, morro de medo de agulhas de tricô! oO