domingo, 13 de janeiro de 2013

Carta ao remetente


Rio de Janeiro, 12 de abril de 1982

Como li outro dia num livro do Drummond há histórias em que o fim se descobre no primeiro parágrafo. Talvez seja assim que minha história cheia de saudade começa. Por um fim que já descobri antes mesmo de te olhar ou saber que você existia, amor platônico. Um fim desinteressante aos olhos e ouvidos da gente nova que me despreza e me ignora, um fim banal pra você, mas que ainda sinto cheirar toda vez que bebo café. E toda vez que ouço vozes com tons seus, macios e doces, lembro de tempos antigos com gosto de cachorro quente e algodão doce. Lembra quantas vezes te dei algodão doce? Talvez nem me leia mais, reclusa em sua própria existência. Ignora qualquer carta minha pois temes as recaídas. Eu já não sou mais assim, desde que você me deixou a ver navios no cais do porto. Acenando lenços brancos para a querida que eu tanto amava. Ainda lembro a sua caligrafia nas cartas que me enviou nos 15 primeiros dias e que joguei no fogo três semanas após não receber mais nenhuma. Não sei se esqueceu de mim. Ou se um novo protetor acolheu seus risos com tanto afeto que a fez esquecer do seu bom e velho companheiro aqui na terra tupiniquim. Só sei que não consigo mais ver seu rosto quando fecho os olhos. Fica embaçado, talvez seja porque não operei ainda a maldita catarata. Porque não me envia uma foto sua? Nem que seja três por quatro, não me importo. Seu quarto aqui em casa está pronto te esperando desde que você partiu. Assim como suas coisas, suas roupas. Intocáveis esperando por você. Quando voltar ao Rio, quem sabe não passa aqui para comer algodão doce...
                                                   Ainda te espero, do seu beija-flor
                                                                       José Augusto Castro

PS.: Esqueci de comentar que outro dia vi um casal de velhinhos de mãos dadas na pensão que almoço todo dia. E que eram tão parecidos conosco que achei que eram você e eu. Pedi à enfermeira que me trouxesse minha bengala, levantei-me da cama e fui falar com eles. Não vai acreditar: os nossos nomes eram iguais. Quanta coincidência, não, querida?

Um comentário:

Risco de vapor disse...

Demais. Me emocionou... muito bom mesmo. Parabéns pelo texto!