quinta-feira, 5 de março de 2009
O caminho de volta
Batucando e sentado numa das primeiras fileiras de cadeiras do ônibus, sentia que nada tiraria sua pacífica forma de alegria momentânea. Com quase metade da cabeça para fora da janela suja e engordurada ia recebendo as fortes lufadas de ar em cheio. Mas agradava-lhe a sensação, era bom sentir as bochechas sendo distorcidas com tamanha velocidade do vento lá fora e o cabelo ficar modelado com formas estranhas e engraçadas. Aproveitava as emparelhadas com outros ônibus para tentar pensar em cada história que estaria por trás daqueles rostos tão comuns, sérios e carrancudos. Todos, principalmente os mais comuns, o deixavam absorto nas inúmeras possibilidades que construía ao longo do caminho até em casa. Os rostos peculiares eram mais fechados à palpites e por isso mesmo, menos observados. Como passatempo até que era interessante, e quem sabe, talvez, até acertasse algumas interpretações. Já que o caminho era longo podia montar e desmanchar dezenas de histórias para o mesmo rosto, e era o que mais gostava de fazer quando não havia nada para se ouvir. Ia de Vila Isabel ao Méier assim, olhando, e imaginando, e formulando, e desistindo da idéia, e confeccionando outra. Numa noite em que voltava pra casa, com a cabeça quase que inteira para o lado de fora, deixou que todo volume de vento se encontrasse com sua face e sentiu em meio aquela densa quantidade de ar um fino rastro de perfume, um cheiro doce e suave. Aspirou com veemência para ver se percebia mais algum resquício, e foi brindado com mais uma rajada de ar que trazia enrolada em si o mesmo traço de cheiro inebriante. Inundou seus pulmões e fechou os olhos tentando buscar alguém a quem esse cheiro lhe remetesse à lembrança. E se convenceu de que era um cheiro levemente semelhante ao de uma flor, o que lhe fez lembrar, prontamente, de quem havia acabado de deixar antes de subir no transporte coletivo. Automaticamente, tentou criar mais uma história, que agora envolvia si mesmo e apenas uma memória tão íntima e sentimental, e por incrível que parecesse não foi capaz. Tentou diversas vezes, mas não chegava a uma única conclusão, chegava a encruzilhadas em que se misturavam fatores irreversíveis, e era aí que destruía o esboço ineficaz. Apesar de saber muito ao certo o que desejava nessa história era difícil decidir os detalhes, sabia que seria frutífero de verdade, mas o modo ou a maneira com que isso aconteceria era demais para seu humilde intelecto. Desistiu então de se envolver nas hipóteses, observou apenas aqueles rostos cansados e sem expressão que o seguiam no próprio ônibus ou até mesmo na rua pelo caminho. Andando depressa e com a mão nos bolsos da calça xadrez, seguiu o pedaço que faltava à pé mesmo, alisando vez ou outra o cabelo bagunçado de sempre, pensando no dia em que saberia de cor todos os detalhes da única historia que mais lhe interessava.
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2 comentários:
Fala aew cara! Antes de ler mais pro final, eu já sabia que o cara do ônibus é vc... rsrs E além disso, quem mais usaria calça xadrez, iria em Vila Isabel, e ajeitaria o cabelo bagunçado voltando pro MÉIER?! rsrs
Falow cara! Fica com Deus! Abração! Se cuida!
ps: muito foda o visual do blog!
ahuahuahuhua octávio fofoqueiro, fica tomando conta da vida dos outros.. zooaa
prefiro as carinhas!
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